Tributação em compras:
No Brasil, a tributação é complexa e muitas vezes resulta em custos ocultos que impactam diretamente as operações de compras. Esses valores "escondidos" surgem devido à alta carga tributária, à cumulatividade de impostos e à forma como os tributos são embutidos nos preços dos produtos e serviços. Aqui está uma explicação detalhada para um profissional de compras:
1º . Impostos Embarcados nos Preços (Tributos "Invisíveis")*
Muitos impostos já estão incluídos no preço de compra, mas não são explicitamente destacados. Exemplos:
- *ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços): Estadual e não cumulativo, mas incide em cada etapa da cadeia. Pode variar de **17% a 25%* dependendo do estado e do produto.
- *PIS/Cofins: Tributos federais que somam até **9,25%* (no regime não cumulativo) e estão embutidos no custo.
- *IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados): Adicional para produtos industrializados (varia por categoria, como **5% a 30%*).
*Impacto: Um produto com preço de tabela de R$ 100 pode ter até **40-50% de tributos* embutidos, reduzindo a margem para negociação.
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2º. Efeito Cascata da Tributação*
Alguns impostos são *cumulativos*, ou seja, incidem sobre outros impostos já pagos em etapas anteriores. Exemplo:
- *ISS (Serviços)*: Cobrado sobre o valor total da nota fiscal, incluindo outros tributos.
- *ICMS em cadeias longas*: Pode gerar custos adicionais se não houver crédito fiscal adequado.
*Impacto*: Um serviço terceirizado pode ficar mais caro devido à repetição de tributos em cada etapa.
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3º. Diferenças Tributárias entre Estados (ICMS Diferencial de Alíquota)*
Compras interestaduais podem sofrer *ajustes de ICMS* se a alíquota do estado de origem for menor que a do destino (ex.: compra de SP para MG). A diferença (4% a 18%) deve ser paga pelo comprador via *DIFAL*.
*Impacto*: Um custo extra não previsto pode surgir em negociações entre estados.
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4º. Tributos sobre a Folha de Pagamento (Encargos Trabalhistas)*
Custos com mão de obra terceirizada ou logística incluem:
- *INSS (20% a 28% sobre a folha)*.
- *FGTS (8%)*.
- *Simples Nacional ou Lucro Presumido*: Empresas prestadoras de serviço repassam esses custos nos preços.
*Impacto: Um frete cotado a R$ 1.000 pode ter **até 40% de encargos ocultos*.
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5º. Substituição Tributária (ST)*
Em setores como autopeças, eletrônicos e combustíveis, o ICMS é pago *antecipadamente* por um único contribuinte (geralmente o fabricante), mas o custo é repassado ao preço final.
*Impacto*: O comprador paga um valor maior sem perceber que parte dele é tributo antecipado.
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6º. Taxas "Escondidas" em Importações*
- *II (Imposto de Importação)*: Varia por produto (ex.: 10% a 35%).
- *PIS/Cofins-Importação*: +9,25%.
- *Taxas portuárias e armazenagem*.
*Impacto: Um item cotado em USD 1.000 pode ter **+60% de custos adicionais* ao chegar no Brasil.
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7º. Regimes Tributários e Impacto nos Preços*
O fornecedor pode operar em:
- *Simples Nacional*: Tributos reduzidos (6% a 33%), mas com limites de faturamento.
- *Lucro Presumido ou Real*: Alíquotas maiores (15% a 34% de IRPJ/CSLL).
*Impacto*: Um fornecedor do Simples pode oferecer preços menores, enquanto outros repassam mais tributos.
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### *Como Identificar e Mitigar esses Custos Ocultos?*
1. *Peça notas fiscais detalhadas*: Solicite a discriminação de tributos (ICMS, IPI, PIS/Cofins).
2. *Compare fornecedores de estados diferentes*: Aproveite alíquotas de ICMS menores.
3. *Negocie a substituição tributária*: Verifique se o ICMS-ST já foi pago.
4. *Avalie a terceirização com cuidado*: Inclua encargos trabalhistas no comparativo.
5. *Use softwares de gestão fiscal*: Calcule o custo total tributário antes de decidir.
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### *Exemplo Prático:*
*Produto*: Peça automotiva
- Preço do fornecedor: R$ 200
- ICMS (18%) + IPI (10%) + PIS/Cofins (9,25%) = *~37% de tributos*
- *Custo real sem impostos*: R$ 126 (R$ 74 são tributos "ocultos").
Se o fornecedor não discrimina, você pode estar pagando mais sem saber.
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*Conclusão*: No Brasil, os tributos são um componente significativo do custo total. Um profissional de compras deve entender a estrutura tributária para negociar melhor, evitar surpresas e identificar oportunidades de redução de custos.
Autor: Rafael Gonçalves
Introdução: O que é o IPCA e Por Que Compras Deve se Importar?
O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE, é o termômetro oficial da inflação no Brasil. Ele mede a variação de preços de uma cesta de produtos e serviços consumida pelas famílias com rendimento de 1 a 40 salários mínimos.
Para um leigo, o IPCA pode parecer um indicador distante, relevante apenas para o Banco Central ou para o mercado financeiro. No entanto, para a área de Compras, ele é um instrumento de inteligência de mercado fundamental. Ignorá-lo é negociar no escuro; dominá-lo é trazer dados e racionalidade para a mesa de negociação, transformando discussões subjetivas em análises objetivas.
O acompanhamento do IPCA permite que o comprador saia de uma posição reativa (apenas recebendo reajustes) para uma posição proativa, antecipando movimentos, questionando aumentos e propondo acordos mais vantajosos.
1. A Principal Aplicação: Validação e Contestação de Reajustes de Preços
Esta é a aplicação mais direta e poderosa do IPCA. Fornecedores, especialmente em contratos de longo prazo, frequentemente solicitam reajustes anuais baseados na "inflação do período". É aqui que o conhecimento do comprador faz a diferença.
O Argumento Padrão do Fornecedor: "Preciso reajustar meus preços em 10% para corrigir a inflação do último ano."
A Análise Estratégica do Comprador:
O IPCA "Cheio" é a Métrica Correta? O IPCA geral é uma média ponderada de várias categorias (Alimentação, Transportes, Habitação, etc.). O comprador deve questionar: "O seu produto/serviço sofreu o mesmo impacto que a média geral?".
Análise por Grupo de Despesa: O IBGE detalha o IPCA por grupos. Se você compra embalagens plásticas, por exemplo, o custo do seu fornecedor está mais atrelado ao grupo "Indústria" ou aos preços de commodities (petróleo), do que ao grupo "Alimentação e Bebidas". O comprador pode argumentar que o reajuste deve se basear em um índice mais específico (como o IGP-M ou índices setoriais) ou em um IPCA "descontado" dos grupos que não afetam o fornecedor.
Descolamento de Índices: Em muitos períodos, o preço de uma matéria-prima específica pode ter caído ou subido menos que o IPCA. O comprador pode usar dados de mercado para provar que a estrutura de custos do fornecedor não justifica um reajuste pelo índice cheio. Exemplo de argumento: "Entendo que o IPCA acumulado foi de 7%, mas o preço do aço, que é 60% do seu custo, subiu apenas 3% no período. Portanto, um reajuste justo seria em torno de 4%, não os 7% pleiteados."
2. Base para Cláusulas de Reajuste em Contratos (Indexação)
Ao elaborar um contrato de fornecimento de longo prazo, a área de Compras pode usar o conhecimento sobre o IPCA para criar cláusulas de reajuste mais inteligentes e menos voláteis.
Evitando Índices Voláteis: Índices como o IGP-M são fortemente influenciados pelo dólar e por preços no atacado, podendo gerar reajustes explosivos e imprevisíveis. Propor o IPCA como indexador em um contrato geralmente traz maior previsibilidade e estabilidade para o orçamento da empresa, pois ele reflete os preços ao consumidor, que tendem a ser menos voláteis.
Criação de Fórmulas Paramétricas: Para fornecedores estratégicos, o ideal é ir além de um único índice. Pode-se criar uma fórmula de reajuste que pondera diferentes indicadores, refletindo a real estrutura de custos do fornecedor.
Exemplo de Cláusula: "O reajuste anual será calculado pela seguinte fórmula: 50% da variação do IPCA (refletindo custos de mão de obra e gerais) + 30% da variação do preço da celulose (refletindo a matéria-prima) + 20% da variação do preço do diesel (refletindo o transporte)."
Isso demonstra um nível de sofisticação que fortalece a parceria e torna o reajuste inquestionável.
3. Timing de Negociação e Análise Preditiva
O acompanhamento da tendência do IPCA e das projeções de mercado (como as do Relatório Focus do Banco Central) permite que a área de Compras se antecipe.
Cenário de Inflação em Alta: Se as projeções indicam uma aceleração do IPCA nos próximos meses, a equipe de Compras pode agir de forma proativa para antecipar negociações e travar preços antes que a onda inflacionária se consolide. Fechar um contrato de 12 meses com um preço fixo em um cenário de inflação crescente é uma grande vitória estratégica.
Cenário de Inflação em Queda (Desinflação): Se o IPCA está em trajetória de queda, o comprador tem um argumento poderoso não apenas para recusar aumentos, mas para pleitear reduções de preço. Exemplo de argumento: "Nos últimos 12 meses, o IPCA acumulado foi de 4%, mas nos últimos 3 meses a tendência é de queda acentuada, com projeção de fechar o ano em 3%. Gostaríamos de discutir uma redução de preços para refletir este novo cenário macroeconômico."
Conclusão
O acompanhamento do IPCA eleva o profissional de Compras da condição de "tirador de pedidos" para a de gestor estratégico de categorias. Ele transforma a negociação de uma batalha de vontades em um debate fundamentado em dados. Ao entender a composição do índice, suas tendências e ao compará-lo com os custos reais do fornecedor, o comprador ganha credibilidade, fortalece seu poder de barganha e protege as margens da companhia, gerando um impacto direto e mensurável no resultado financeiro da empresa.
Abaixo um dashboard que desenvolvi atraves de consulta a api do site IBGE com os dados do IPCA em tempo real